Governo federal deve pagar 'elefante branco' da Arena Pantanal em Cuiabá/MT.
A Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil, já completa dois anos e a fatura dos custos pela sua realização continua chegando. Depois da promessa de que o evento esportivo deixaria um legado para o país, a única herança mais palpável por ora são as dívidas acumuladas por cidades sede, além das citações de desvios de dinheiro nas investigações da Lava Jato em ao menos metade das cidades sede. Neste momento, está em curso uma negociação com os governadores dos Estados que possuem estádios considerados elefantes brancos, construídos para o evento, e que hoje estão sem público.
O Rio de Janeiro, que promoveu benfeitorias no Maracanã, está na lista dos principais beneficiados pelo refinanciamento da dívida com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que o Governo Federal pretende anunciar nas próximas semanas. O Estado, que decretou calamidade pública e será a sede dos Jogos Olímpicos, é o mais endividado entre os 12 que acolheram jogos da Copa. Pagou somente 37% do total do valor que financiou para as obras. O Amazonas, por exemplo, já quitou mais de 90% da sua dívida. Ao todo, o Rio tomou emprestado 1,4 bilhão de reais e pagou 534 milhões, aproximadamente. Inicialmente a obra foi orçada em 705 milhões de reais, mais aditivos engordaram a conta ser paga pelo Governo carioca.
As obras para a Copa no Rio também são uma das mais implicadas na operação Lava Jato até o momento. Delações feitas por executivos da Odebrecht e Andrade Gutierrez, que participaram do consórcio responsável pela reforma do Maracanã antes da Copa, apontam pagamento de propinas para diversos agentes públicos, incluindo o ex-governador Sérgio Cabral.
Nesta semana, o TCE pode decidir em sessão plenária se bloqueia 198 milhões de reais em contratos com as empreiteiras como punição por conta das irregularidades nas obras tanto do Maracanã, como da linha 4 do metrô e do BRT Transolímpico. A decisão do tribunal deve acontecer poucos dias depois do executivo Clóvis Renato Numa Peixoto Primo, que trabalhou na Andrade Guitierrez, ter dito em delação que 1% do contrato do Maracanã eram destinados a pagar propina ao mesmo TCE.
Juntos, os 12 Estados que sediaram o Mundial contraíram 22,8 bilhões de reais em financiamentos públicos para construírem ou reformarem estádios e para tocarem obras de mobilidade, boa parte delas que ainda não foi concluída, dois anos após a realização do torneio. Do total financiado, ainda há uma dívida de 6,4 bilhões de reais. Ao menos um percentual disso o Governo Temer pretende renegociar com as gestões estaduais.
“Quando renegociamos nossas dívidas na semana passada, concordamos em dois pontos. O primeiro foi dar a ajuda emergencial ao Rio de Janeiro [de 2,9 bilhões de reais]. O segundo em ter o BNDES Copa. Mas hoje, olhando o tamanho da irresponsabilidade de alguns Estados que se endividaram e não concluíram quase nada do que estava previsto, acho que é melhor não seguirmos adiante”, reclamou um secretário estadual da Fazenda ouvido pelo EL PAÍS.
Levantamento feito pela reportagem no Portal da Transparência do Governo Federal mostra que, com exceção do Rio de Janeiro, os três principais devedores de bancos públicos são unidades da federação que não têm tradição no futebol e pagaram menos de 60% de suas dívidas contraídas para a Copa: Rio Grande do Norte (45% dos pagamentos feitos), o Ceará (51%) e o Mato Grosso (58%).
Nesses três casos, os estádios construídos nas capitais desses Estados possuem uma taxa de ocupação baixíssima, o que significa que, se não forem exploradas outras atividades correm o risco de permanecerem deficitários por décadas, o que justificaria o malquisto apelido de elefante branco. A Arena Pantanal de Cuiabá tem recebido um total de 13% de pagantes, ou um público de 5.800 por jogo. A Arena das Dunas de Natal, por exemplo, tem uma ocupação de 25%, com uma média de público de 7.800 espectadores. No Castelão de Fortaleza, a taxa é de 28%, com cerca de 19.000 pagantes. Apenas para efeito de comparação, o campeonato brasileiro da série A deste ano tem taxa de ocupação de estádios de 33% e uma média de 13.000 pessoas por jogo.
As outras duas unidades da federação que têm pouca tradição futebolística e sediaram a Copa, Amazonas e o Distrito Federal, estariam entre as menos beneficiadas porque a maior parte de suas dívidas já foi sanada. O governo do Amazonas quitou o empréstimo do BNDES para construir a Arena Amazônia e está devendo apenas 8% de tudo que financiou para o torneio. No caso do Estádio Mané Garrincha, em Brasília, o financiamento não foi via BNDES e a dívida com os bancos públicos é de somente 14% do total emprestado.
Obras ainda inacabadas.
Se analisados valores nominais, Mato Grosso será o principal beneficiado pela possível renegociação junto ao BNDES. Só ao Governo Federal o Estado ainda deve 998 milhões de reais. Tem ao menos 20 obras que deveriam ser entregues até maio de 2014, mas até agora ainda estão em andamento. A situação é tão crítica que o governador do Estado na época, o Silval Barbosa (PMDB), está preso desde setembro do ano passado porque é suspeito de chefiar um fraudulento esquema de concessão de incentivos fiscais a empresas responsáveis por tocarem diversas obras, entre elas algumas que seriam específicas para o torneio de futebol.
No pacote de generosidades de Temer, divulgado nos últimos dias, havia a possibilidade de ajudar todos os 12 Governos que contraíram empréstimos para realizar obras para o Mundial de futebol. A questão ainda não está fechada porque representantes da equipe econômica e de governos locais, que não seriam tão beneficiados, reclamaram de mais uma benesse que o peemedebista pretende fazer a menos de dois meses antes da votação do impeachment da presidenta afastada Dilma Rousseff (PT) pelo Senado Federal.
Lava Jato
Nas delações feitas até agora para a Lava Jato, saltam suspeitas de desvios de dinheiro em pelo menos seis das 12 cidades sedes. Além do Maracanã, já houve menção a desvio de dinheiro nas obras Arena das Dunas (RN), Itaquerão (SP), Arena Pernambuco (PE), Mané Garrincha (DF), Arena Amazônia (MA). O processo ainda está em investigação mas ao jogar luz sobre a corrupção que pode ter inchado os orçamentos das obras da Copa fica claro que o legado que o evento deixou para o país está muito distante da euforia que suscitou em 2008 quando o Brasil foi confirmado como país sede do Mundial.
Os empréstimos e os estádios da Copa
Cidade |
Estádio |
Ocupação |
Média Público |
Empréstimo* |
%paga |
Rio de Janeiro |
Maracanã |
31% |
24.700 |
1,4 bilhão |
37,5 |
Natal |
Arena das Dunas |
25% |
7.800 |
973 milhões |
45,8 |
Fortaleza |
Castelão |
28% |
19.000 |
1,7 bilhão |
51,9 |
Cuiabá |
Arena Pantanal |
13% |
5.300 |
2,3 bilhões |
58,2 |
Curitiba |
Arena da Baixada |
31% |
13.200 |
988 milhões |
62,2 |
Belo Horizonte |
Mineirão |
45% |
27.600 |
2,2 bilhões |
62,5 |
Recife |
Arena Pernambuco |
24% |
11.000 |
678 milhões |
67,9 |
Porto Alegre |
Beira Rio |
37% |
19.100 |
678 milhões |
67,9 |
Manaus |
Arena da Amazonia |
31% |
13.500 |
1 bilhão |
71,2 |
Brasília |
Mané Garrincha |
20% |
14.300 |
2,7 bilhões |
86,5 |
São Paulo |
Arena Itaquera |
68% |
33.200 |
6,9 bilhões |
88,2 |
Salvador |
Fonte Nova |
30% |
14.200 |
983 milhões |
92,7 |
* Valor inclui não apenas estádio, mas todas as obras para a Copa.
Fonte: Governo Federal